23 de dez. de 2012

VENHA, POR FAVOR - Fabrício Carpinejar



Eu espero alguém que não desista de mim mesmo quando já não tem interesse. Espero alguém que não me torture com promessas de envelhecer comigo, que realmente envelheça comigo. Espero alguém que se orgulhe do que escrevo, que me faça ser mais amigo dos meus amigos e mais irmão dos meus irmãos. Espero alguém que não tenha medo do escândalo, mas tenha medo da indiferença.

Espero alguém que ponha bilhetinhos dentro daqueles livros que vou ler até o fim. Espero alguém que se arrependa rápido de suas grosserias e me perdoe sem querer. Espero alguém que me avise que estou repetindo a roupa na semana. Espero alguém que nunca abandone a conversa quando não sei mais falar. Espero alguém que, nos jantares entre os amigos, dispute comigo para contar primeiro como nos conhecemos.

Espero alguém que goste de dirigir para nos revezarmos em longas viagens. Espero alguém disposto a conferir se a porta está fechada e o café desligado, se meu rosto está aborrecido ou esperançoso. Espero alguém que prove que amar não é contrato, que o amor não termina com nossos erros. Espero alguém que não se irrite com a minha ansiedade. Espero alguém que possa criar toda uma linguagem cifrada para que ninguém nos recrimine. Espero alguém que arrume ingressos de teatro de repente, que me sequestre ao cinema, que cheire meu corpo suado como se ainda fosse perfume.

Espero alguém que não largue as mãos dadas nem para coçar o rosto. Espero alguém que me olhe demoradamente quando estou distraído, que me telefone para narrar como foi seu dia. Espero alguém que procure um espaço acolchoado em meu peito. Espero alguém que minta que cozinha e só diga a verdade depois que comi. Espero alguém que leia uma notícia, veja que haverá um show de minha banda predileta, e corra para me adiantar por e-mail. Espero alguém que ame meus filhos como se estivesse reencontrando minha infância e adolescência fora de mim.

Espero alguém que fique me chamando para dormir, que fique me chamando para despertar, que não precise me chamar para amar. Espero alguém com uma vocação pela metade, uma frustração antiga, um desejo de ser algo que não se cumpriu, uma melancolia discreta, para nunca ser prepotente. Espero alguém que tenha uma risada tão bonita que terei sempre vontade de ser engraçado.

Espero alguém que comente sua dor com respeito e ouça minha dor com interesse. Espero alguém que prepare minha festa de aniversário em segredo e crie conspiração dos amigos para me ajudar. Espero alguém que pinte o muro onde passo, que não se perturbe com o que as pessoas pensam a nosso respeito. Espero alguém que vire cínico no desespero e doce na tristeza. Espero alguém que curta o domingo em casa, acordar tarde e andar de chinelos, e que me pergunte o tempo antes de olhar para as janelas.

Espero alguém que me ensine a me amar porque a separação apenas vem me ensinando a me destruir. Espero alguém que tenha pressa de mim, eternidade de mim, que chegue logo, que apareça hoje, que largue o casaco no sofá e não seja educado a ponto de estendê-lo no cabide. Espero encontrar uma mulher que me torne novamente necessário.

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 18/09/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17196

8 de dez. de 2012

a carta que eu enviaria (antes do fim do mundo)... se isso mudasse algo

eu não sabia que isso iria acontecer. mas para ser bem sincera, mesmo se eu tivesse como adivinhar, eu não teria feito nada diferente... a gente tá na vida é pra viver.

não sei o que me motivou a entrar nessa... aventura? curiosidade? carinho? tesão? a única coisa que tenho certeza é de como a minha temperatura mudava quando a sua respiração se aproximava da pele do meu pescoço. essa dança estranha de quente-frio-longe-perto me fez querer ter a sua presença constante. quando você saia do meu campo de visão o ciúme apavorava... quando você dava toda a sua atenção para qualquer outro ser que não fosse eu o nervosismo batia. pronto, saquei... estava gostando de você.


tá, eu sei... somos muito diferentes. e daí? no que isso atrapalha? não estamos no mundo pra aprender uns com os outros? seria um prazer poder aprender e ensinar em uma parceria (somente) com você.


na minha fantasia não tem lugar para terceiros, quartos, quintos. o espaço é apertado, só cabem nossos quatro pés, nossas quatro mãos, duas bocas e dois corações. eu não estou apaixonada, não quero te pedir em casamento... mas queria muito poder dividir o sofá e um balde de pipocas em uma dessas noites (ser precisar de agendamento prévio), falando bobagens e comentando sobre os personagens do filme que passa lentamente na televisão, servindo de desculpa para estarmos ali na frente dela. mas não quero só o filme e a sua companhia. quero os seus melhores beijos, os seus melhores jeitos, as suas melhores olhadas. quero tudo pra mim e não, não sei (te) dividir.... e nem quero aprender.


na maioria das vezes você ganha somente sorrisos da minha boca, somente palavras doces... mas várias coisas que você faz me irrita: a sua mania de roer as unhas, a sua preguiça em tomar banho pela manhã, o seu jeito de ser grosso brincando, a sua atual confusão, o jeito com que você anda ocupando o teu coração, a pessoa que você escolheu para passar a maioria das horas do teu tempo livre. isso tudo me irrita e me incomoda, não posso (e nem quero) negar. porém nada posso fazer a não ser aceitar as suas decisões e seguir em frente. nunca faria nada sem a sua permissão e sem a sua vontade de compartilhar o momento.


gosto de ter você por perto, de poder usufruir da sua amizade... infelizmente em alguns momentos eu sou gulosa e quero sempre mais. queria poder te alugar o ouvido, o colo, o carinho, a língua e o nariz no momento em que me desse na telha. queria ficar abraçada conversando amenidades e vendo as nuvens passearem no céu languidamente. queria poder desvendar todo o seu corpo, sem pressa, somente com o meu olfato e assim passar a desbravá-lo com os outros sentidos também. queria tanta coisa que fico tonta de tentar listá-las agora...

eu não sei o que será do amanhã, eu não sei o que será dessa história tão incomum que ando vivenciando... eu não sei de nada. mas não tem jeito, uma coisa eu sei... eu sei que de uns tempos para cá um cacho de uvas verdes sempre arranca o meu sorriso. e intimamente eu torço para que eu, sozinha, possa desfrutar dessas uvas, gostosas e enigmáticas. uvas destinadas a mim. só a mim e a mais ninguém. em algum momento próximo. 

... de preferência, antes do mundo acabar!

19 de fev. de 2012

Mulher + escritora = território estrangeiro

"Os homens gostam das mulheres que escrevem.  Não o dizem. Uma escritora é o território estrangeiro."
(Marguerite Duras in: A vida material. Ed. Globo, p. 68)